domingo, 2 de novembro de 2008

Sentar e conversar sobre a complexa existência de nossas vidas

- Vai ter torta?
- Talvez.
- Vai ter café? Tem que ter café!
- Ta, ta, que seja.

Não sei quanto à regra sobre conversas existenciais, se pode haver comida ou não. Temo que o ar possa ficar meio coquetel, só que com conversas existenciais e não com as tradicionais discussões acaloradas sobre Os planos da Flora/ A Piovani¹ ta grávida/ A mulher-melancia é feia. Se houver comida, talvez o debate perca seu crédito pelo ar de coquetel.

Mas será mesmo um debate? Bem provável. Muito do que eu disser sobre mim mesma e sobre o restante das pessoas será analisado e rejeitado. Novas hipóteses surgirão. Por isso a idéia de sentar e conversar, avaliar e rebater.

Não haverá comida, será um debate. Tema específico? (Voz de locutor ON) Escolha um tema: Atualidades Brasil, Atualidades Internacional, Esportes, Hollywood. (Voz de locutor OFF) Não, não. A idéia era conversar mesmo e não jogar Master.

E agora estamos sentados. De frente um para o outro, sem café, sem torta, sem distrações, sem tema específico a não ser nós mesmos. Posso por meu pijama, ir pra escola e ter um pesadelo agora?

Eu não sei por que é tão difícil falar sobre mim mesma. Não quero dizer sobre a anedota do dia do tipo “Eu-ouvi-um-pedreiro-cantando-rock-hoje”. Também não me refiro às minhas opiniões. Refiro-me, ao meu eu-interior – e não àquele eu-interior da yoga que está sempre calmo e quer distribuir energia positiva laranja por aí e ficar em sintonia com o cosmos. Entende-se por “mim mesma”: meus sentimentos. É, sentimentos, blá, blá, a coisa toda de sentimentos. Pra que tudo isso, afinal?

Posso falar sobre a nossa existência em geral, o que é bem mais fácil. É só generalizar o que eu penso e considerar o que eu faço regra universal. Nada coerente, mas resolve o problema da non-comunicação dos próprios sentimentos.

Não preciso falar para outros o que eu sinto, quando eu sinto, o quanto eu sinto. Se, no fundo, eu sei. E é isso o que importa. No fim, fico com a conversa existencial superficial, o café, a torta, a fofoca de coquetel e o Master.

1. O Word sublinhou Piovani em vermelho e sugeriu Pirovani. Nada mais adequado.
* O nome do arquivo desse texto é somethin’crapcrap. Nada mais adequado.